The Messenger – Uma Viagem pelo Tempo (Literalmente!)


O tempo e sua passagem são fatos que desde muito cedo a humanidade tem de aprender a lidar. Alguns temem a passagem do tempo, alguns prezam sua capacidade de curar feridas, mas no fim das contas, o tempo é o que mantém o movimento do ciclo da vida.

Dito isto, não é surpresa que várias histórias que nós como humanidade escrevemos possuem como tema central o tempo. Viagens no tempo, o fluxo inescapável deste, as consequências e mudanças que a passagem do tempo traz – a lista é enorme. E em agosto de 2018, tivemos um pequeno jogo indie que usa o tema lindamente bem em sua história e jogabilidade: The Messenger.

Personagens e logotipo de The Messenger

Desenvolvido pela Sabotage Studio e publicado pela Devolver Digital, The Messenger é um jogo que vai fazer com que a Polícia da Michi venha me prender: Um jogo que NÃO é japonês? Aqui na Densetsu??? CADEIA NELE!

Mas calma, chefinhaThe Messenger merece um espacinho aqui por ser uma verdadeira carta de amor a jogos como o nosso querido Ninja Gaiden (que ganhou um #DensetsuIndica que você pode encontrar aqui). Um jogo de plataforma retrô, inspirado em jogos clássicos japoneses, com cara de Ninja Gaiden, com ninjas, profecias, shurikens, bom humor e boa quantidade de história? Onde eu assino?!

Nossa aventura é apresentada para nós em uma cinemática, mostrando um mundo onde os demônios tomaram quase toda a Terra, e sobra apenas um pequeno vilarejo de humanos, que escolheram o exílio no lugar da morte, treinando todos os dias para o pior: Lendas contam que os demônios virão atacar novamente algum dia, ávidos pela extinção da raça humana. Felizmente, as lendas também falam que um herói vindo do Oeste virá ao auxílio dos últimos humanos, trazendo um pergaminho que apenas um mensageiro escolhido deve carregar em uma jornada para salvar seu povo… E é aqui que nossa aventura oficialmente começa. Assumindo o comando de um jovem ninja, cansado de ouvir profecias e de ficar parado sem agir, seguimos para a aula de história do ancião do vilarejo. Animador, hein?

Infelizmente (ou felizmente, dependendo da sua visão), a aula é rapidamente cortada: A invasão do exército demoníaco começou! E nada do herói do Oeste! Sendo um dos únicos restantes de pé, nosso protagonista se põe à frente do grande rei dos demônios e relutantemente se dispõe a enfrentá-lo, quando na hora H, um aventureiro montado em uma águia aparece, e com uma saraivada de flechas dispersa o rei dos demônios e seu exército. O herói do Oeste? “Tipo isso”, nas palavras dele mesmo. Ele dá a tarefa de carregar o pergaminho para o nosso ninja, até o Cume Nevado, do outro lado da ilha, intitulando-o como o novo Mensageiro. E então a aventura realmente começa.

Screenshot de The Messenger

A jogabilidade é bem simples de absorver: brandir a espada com um botão e pular com o outro. Atravessando as Colinas Outonais (a primeira fase), o Mensageiro se depara com o exército demoníaco e obstáculos como precipícios e escaladas perigosas, e nessa fórmula o jogo se segue, bem ao estilo de um jogo de plataforma lateral a la Ninja Gaiden, com um chefe esperando ao final de cada fase. Além disso, The Messenger introduz desde o início uma mecânica inovadora e interessante: o chamado “Passoleve” (ou “Cloudstep”, no original). Quando estiver no ar, o jogador pode atingir qualquer objeto ou inimigo para ativar o Passoleve, que dá a ele um novo pulo durante o ar. Ou seja, enquanto você conseguir atingir alguma coisa no ar, você pode pular mais uma vez por cada golpe. Só esse novo conceito traz um valor de experimentação muito grande para a exploração das fases: Você PODE descer e ativar o elevador para subir essa parte da fase, mas se você for criativo e habilidoso o suficiente, você pode usar apenas o ambiente e os inimigos ao seu redor e subir usando apenas o Passoleve e atravessar aquela área sem encostar os pés no chão.

Durante suas andanças, o Mensageiro se depara com uma porta que leva a um lugar curioso: a loja que não parece uma loja com um lojista que não parece um lojista. Nessa loja, o Mensageiro pode comprar melhorias usando os Cacos de Tempo espalhados pelo mundo e conversar com o lojista para pedir dicas e histórias, que podem ou não ter a ver com a história do nosso protagonista… Na verdade, quase nenhuma tem a ver. E nessas conversas que a personalidade do Lojista e do Mensageiro brilham — O Lojista sempre quebrando as expectativas do jogador e fazendo referências diretas (ou as famosas “quebras de quarta parede”), e o Mensageiro com sua expectativa de alguém que acaba de iniciar naquele trabalho (algo muito relacionável ao jogador).

Screenshot de The Messenger

Seguindo pelas fases, o Mensageiro se verá em frente a obstáculos que parecem intransponíveis, mas com a ajuda do Lojista, novos dispositivos e melhorias podem ser alcançados, melhorias como a habilidade de atirar estrelas ninjas (as famosas shurikens) e barra de vida maior, e apetrechos como as Garras de Escalada, que permitem escalar qualquer parede sólida, o Traje Planador, que faz com que o Mensageiro plane e seja levado por correntes de vento, e o Dardo com Corda, que funciona como o famoso “Hookshot” da série The Legend of Zelda. Todos os apetrechos tem efeitos na jogabilidade e permitem que o jogador explore melhor as fases, adicionando mais opções para criatividade que se somam e complementam o Passoleve, que faz com que atravessar as fases seja um verdadeiro deleite.

Screenshot de The Messenger

As fases escondem diversos Cacos de Tempo solidificados e até os Selos de Poder, escondidos secretamente nas fases atrás de desafios que testam as habilidades do jogador e põem à prova todas as melhorias e apetrechos que podem ser utilizados. Conseguindo os 45 Selos, o jogador consegue uma melhoria que facilita muito alguns ataques e é uma maravilhosa referência a Ninja Gaiden! O que é? Bom, fica aqui o desafio de encontrar os 45 Selos para descobrir!

Além disso, é provável que a essa altura o jogador vacile e morra — ou pelo menos é isso que aconteceria, se não existisse o Sofismuto (ou Quarble, no original). Sofismuto é um pequeno demônio vermelho alado de um olho só e chifres cujo o trabalho é salvar o Mensageiro de toda experiência de quase morte causada pelo jogador. Toda vez que você vacila e perde toda a sua barra de vida, Sofismuto aparece, salva o Mensageiro com direito a um comentário sarcástico (algo como “já te salvei 15 vezes, esse controle tá funcionando direito?” ou “você tá jogando com os pés ou coisa assim?”) e ficará ao lado do protagonista por alguns segundos, engolindo uma certa quantidade de Cacos de Tempo como pagamento.

Screenshot de The Messenger

Todos os personagens que aparecem, sejam os chefes ou os personagens não jogáveis, possuem um charme inegável e um bom humor sarcástico, cada um tendo personalidade o suficiente para que se tornem memoráveis e com certeza proporcionem algumas risadas dos jogadores. O Lojista, o Sofismuto, dois gigantes chamados Gigan e Tescos, uma serpente aérea chamada Manfredo, dentre vários outros.

Os visuais do jogo são deliciosamente retrô, inspirados nos jogos de 8 bits dos anos 80, ricos em pequenos detalhes e animações que dão vida aos ambientes e personagens encontrados durante a aventura, e a música é excelente, se não for a melhor parte do jogo. Toda a trilha sonora foi composta pelo compositor Rainbowdragoneyes, criador do auto nomeado “Extreme Chiptune Dance Metal”. Cada música dá a atmosfera que casa perfeitamente com cada ambiente, sem deixar de ser extremamente cativante. Não teve uma só fase onde eu não me via instintivamente cantarolando cada uma das melodias (ficam aqui duas das minhas favoritas: Harness the Winds e The Frozen Light).

Screenshot de The Messenger

Seguindo adiante, o Mensageiro chega ao Cume Nevado, onde deveria levar o pergaminho, e é ali que é levado a uma prova de resistência pelos Vestes Azuis, companheiros do Lojista que se vestem com os mesmos robes azuis. Depois de passar pela prova e de resistir ao terror dos Vestes Azuis fazendo aquilo (não, eu não vou dar contexto nenhum. Descubra por si só), o Mensageiro é posto de frente ao seu poder: viagem no tempo.

E então, o Mensageiro viaja 500 anos para o futuro! Após sua viagem, o Mensageiro segue para enfrentar um dos generais do exército demoníaco e procura entregar o pergaminho para o próximo Mensageiro, para que o ciclo possa assim seguir em frente e um novo Mensageiro seja incumbido da tarefa. Mas nada é tão simples como parece… reviravoltas acontecem e a aventura do nosso querido ninja ainda não acabou. O que exatamente acontece? Clique aqui e descubra por si só!

Lembra que no parágrafo passado eu comentei que o Mensageiro viajava para o futuro? Pois bem, isso pode ser visto visualmente, musicalmente e em jogabilidade! Os visuais passam para algo da época dos 16 bits, como no Super Nintendo ou Mega Drive, colocando ainda mais detalhes e animações que fazem o jogo ficar mais impressionante de se olhar. O visual do Mensageiro muda, e as músicas são remixadas com todo o charme do soundchip do Mega Drive (para comparação: Harnessing the Wind e The Frozen Dark)!

Screenshot de The Messenger

Mas isso não é a parte mais interessante — é a jogabilidade.

Até agora, The Messenger tem sido uma carta de amor a Ninja Gaiden e outros clássicos japoneses similares, onde o objetivo é chegar até o final da fase e vencer o chefe, certo? Bom, agora o jogo toma a “viagem no tempo” literalmente, e mudamos de um gênero de plataforma lateral e linear para o próximo gênero mais famoso: o Metroidvania.

The Messenger me pegou de surpresa com essa mudança — o jogo troca o próprio gênero de um modo tão natural e bem estruturado que o que normalmente seria dissonante com o que foi jogado até agora acaba casando perfeitamente em uma transição que vem de maneira praticamente natural. Agora, o objetivo é explorar cada uma das fases ricas em detalhes que já foram passadas, obter itens escondidos em locais só acessíveis no futuro e através de diálogos com personagens que posteriormente eram chefes. O jogo ainda oferece um mapa de cada fase e um mapa-múndi para facilitar a exploração!

Screenshot de The Messenger

Em alguns lugares das fases, existem portais que levam o Mensageiro entre os dois períodos de tempo. Com uma simples passagem por um portal, você será transportado do passado para o futuro e vice-versa, e isso é integral para o seu progresso, já que certos locais só são acessíveis em certos períodos de tempo e alguns itens só podem ser obtidos viajando no tempo.

Esta parte do jogo pode ficar um pouco confusa e um pouco maçante (bem da natureza de um Metroidvania), algo que pode afastar os que não são fãs do gênero, já que as profecias que devem ser seguidas (basicamente dicas de onde o jogador deve ir) são um pouco difíceis de entender. Porém, o jogo oferece um sistema de dicas relativamente acessíveis e que dão uma localização precisa do próximo objetivo em troca de alguns Cacos de Tempo, o que se torna útil caso o jogador já tenha comprado todas as melhorias da loja e não tenha mais com o que gastar seus Cacos. Ou isso ou você pode depositar eles na Pia da Bufunfa (sério, isso existe nesse jogo).

Screenshot de The Messenger
Passado…
Screenshot de The Messenger
…Futuro!

The Messenger é uma aventura espetacular que me pegou de surpresa e me levou em uma jornada que me manteve entretido durante todo o percurso, me deu música que me deixou cantarolando por dias a fio, personagens carismáticos que me fizeram rir e me deram pedacinhos de reflexão que eu não esperava em um jogo do tipo. Através das histórias, o Lojista traz vários pequenos conselhos, questionamentos e reflexões que não são necessários e talvez nem pertinentes à história, mas que trazem várias pequenas recompensas para os jogadores que realmente vão a fundo com sua curiosidade, deixando-os com mais algo para pensar em seu dia.

Reflexões como estas podem até ser consideradas maçantes por alguns, mas pessoalmente, eu acredito que esses pequenos detalhes dão vida e personalidade aos jogos, e que é isso que faz com que eles se destaquem. Pelo sentimento passado, não parece algo forçado ou colocado por acaso, parece algo colocado propositalmente pelos desenvolvedores que sabiam que alguém, em algum lugar, iria ler aquilo e ia se sentir pensativo. São pequenos fragmentos de personalidade que mostram o verdadeiro cuidado e amor que veio em uma obra, como é muito bem o caso de The Messenger. Por tudo isso, considero esse o meu jogo do ano de 2018, e um que eu com certeza voltarei a visitar mais de uma vez.

Screenshot de The Messenger
”A vida é feita de várias provas, cuja maioria se apresentarão a você mais de uma vez.”
Screenshot de The Messenger
“A parte importante não é você passar ou não em cada prova, mas você aparecer, reconhecer os seus resultados e ponderar como aquilo pode te dizer quem você deve se tornar.”

The Messenger está disponível agora para Nintendo Switch e PC (via Steam), e inclusive está disponível completamente em português (meus cumprimentos à equipe de tradução pelo trabalho MUITO bem feito).

Confira o trailer:

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