Na última década, tem sido comum ver obras icônicas da cultura pop sendo revividas de alguma forma a fim de apelar para uma nova audiência. Os jogos de carta não escapam dessa onda e, numa tentativa de tornar Shadowverse mais amigável para o público juvenil, a desenvolvedora Cygames recentemente decidiu dar uma nova roupagem para o card game que lhes colocou no mapa.
Surgindo em meio a uma tendência de títulos do gênero, logo à primeira vista esta franquia me chamou a atenção com seu tom mais sombrio. Entretanto, o recente jogo da marca para Nintendo Switch, Champion’s Battle, aparenta ser o oposto das coisas que me interessaram na obra original, trazendo um ar mais familiar para fãs de animes tradicionais.
Uma bem-vinda mudança de público-alvo
Champion’s Battle troca o fantástico mundo medieval do card game original por um cenário mais descontraído e contemporâneo. Conflitos entre seres de outro mundo, demônios e deuses dão lugar a um ambiente escolar habitado por personagens característicos de obras japonesas infanto-juvenis.
Apesar disso, os elementos tradicionais da franquia ainda se mantém presentes por meio das belas ilustrações das cartas que, juntamente às regras originais, permanecem as mesmas. Esse fato pode vir a agradar jogadores veteranos que talvez poderiam sentir certa aversão à brusca mudança de tom do game.
Complementando o palco da história, os protagonistas também apresentam visuais agradáveis, definindo um tom mais resplandecente à franquia outrora sombria. Ademais, a trama em si não busca se destacar tanto, optando por seguir um caminho bem seguro, sem grandes reviravoltas ou explorações profundas sobre seus personagens, se tornando bem clichê e previsível.
Há uma razão para dizer que Champion’s Battle é apenas uma nova roupagem para Shadowverse, já que, bem… ele é realmente só isso. Como já mencionado, não há mudanças significativas em absolutamente nada exceto no tom e visual dos protagonistas.
A escolha de dubladores para os personagens principais é outro forte indício do público-alvo do game, já que boa parte deles é de nomes conhecidos em obras infantis. Os destaques vão para Gakuto Kajiwara (Asta em Black Clover), Kaede Hondo (Firis na série Atelier) e Junya Enoki (Shu em Beyblade Burst).
No geral, a obra faz um ótimo trabalho introduzindo Shadowverse em situações comuns na vida de crianças e adolescentes, já que no mundo apresentado no jogo é comum resolver disputas com o jogo de cartas. Além disso, em certo nível, o card game é tratado como uma espécie de esporte muito reconhecido.
Assim, em diversos pontos da história é normal imaginar que o jogo certamente teria um apelo interessante se existisse na mesma época em que Yu-Gi-Oh! estourou aqui no Brasil. Um grupo de amigos que se unem por causa de um jogo, rivalidades, jogadores considerados verdadeiros gênios do card game; tudo está presente em Champion’s Battle.
Quem disse que clichês são ruins?
Apesar de ter abandonado Shadowverse depois de algum tempo, ter um novo contato com a obra assumindo essa nova identidade foi no mínimo refrescante. Posso até mesmo ir mais longe e dizer que, como é esperado, clichês são sempre divertidos quando bem implementados.
Nem toda história precisa ser extremamente profunda e cheia de nuances para que o jogador se divirta, e a Cygames acertou em cheio ao assumir isso. Durante boa parte da jogatina, minha única preocupação era conseguir novas cartas e melhorar meus decks; talvez até desenvolver um estilo de jogo próprio. A trama tornou-se apenas um pano de fundo, quase como se entre uma partida e outra eu estivesse assistindo um anime novo, porém de alguma forma nostálgico.
É importante dizer que, apesar de previsível, o humor presente no jogo é muito bem colocado. Se, assim como eu, você achava graça nas piadas bobas que eram comuns em animes antigos da saudosa TV Globinho ou até do Band Kids, é exatamente esse tipo de piadinha que você encontrará em Champion’s Battle.
Outro papel importante dos clichês é fazer com que cada personagem incorpore em si mesmo o arquétipo que seu baralho usa. Para aqueles não familiarizados, Shadowverse conta com oito classes diferentes de cartas, cada uma com seu próprio estilo de jogo e visual distinto. Contudo, apenas sete estão presentes no novo jogo.
“Forestcraft” é um arquétipo que, como seu nome implica, costuma apresentar cartas com temática de natureza que incluem animais, fadas e elfos. Seu estilo de jogo costuma ser voltado para o início da partida com uma forte presença na mesa de combate, causando pouco, mas constante, dano ao oponente.
Já “Swordcraft”, relativo a espadas, traz guerreiros de diversas formas, a maioria com aspecto medieval militar. Suas mecânicas de jogo envolvem o fortalecimento de seus guerreiros ao fornecerem suporte uns aos outros com uma ideia de que a união faz a força.
“Runecraft”, das runas, seria a classe dos magos em Shadowverse, com muitas cartas representando alquimistas, feiticeiros e estudiosos em geral. O arquétipo também é de longe o que mais faz uso de cartas mágicas, ao invés de colocar seguidores em campo, apostando em poderosos efeitos imediatos.
Para alguém que adora dragões e répteis, como o protagonista Hiro, a classe “Dragoncraft” é a ideal, trazendo monstros cuspidores de fogo, dinossauros e serpentes marinhas. Como é de se esperar, o estilo de jogo aqui é totalmente ofensivo e costuma ficar muito perigoso para o adversário quando a partida se prolonga demais.
No lado mais sombrio temos “Shadowcraft”, uma classe para aqueles que querem se sentir como necromantes no controle de mortos-vivos. Com sua estratégia de ganhar sombras quando seus seguidores são destruídos, jogadores que escolhem essa classe não costumam se preocupar com perdas momentâneas, ficando cada vez mais fortes caso não sejam derrotados rapidamente.
Semelhante à classe anterior, a sanguinária “Bloodcraft” foca em criaturas das trevas, como vampiros e demônios. Sua principal mecânica é a chamada “vingança”, que atribui efeitos adicionais às cartas da categoria quando o jogador está em clara desvantagem com relação aos seus pontos de vida.
Finalmente, “Havencraft” toca em tudo que é sagrado, com cartas representando anjos e deidades. Seu estilo de jogo é o mais defensivo de todos, com um tipo interessante de cartas mágicas, ou “amuletos”, que conjuram feitiços poderosos que levam tempo para serem ativados.
Agora que conhece as classes disponíveis no jogo, desafio você a dar uma olhada nos protagonistas e tentar adivinhar com qual delas cada um joga. Devo adiantar que será bem fácil deduzir a maioria e essa é uma das melhores partes do clichê bem implementado.
Alguns incômodos…
Apesar de ter uma impressão principalmente positiva acerca de Champion’s Battle, não pude ignorar a presença de alguns problemas no mínimo irritantes para um jogo lançado em pleno 2022. A maior parte desses defeitos são coisas comuns em jogos antigos, o que me decepcionou um pouco por ser um grande admirador da Cygames.
O primeiro ponto negativo a notar é o fato de que não é possível alterar o idioma da dublagem entre japonês e inglês até que o tutorial básico seja concluído. Dessa forma, é necessário jogar quase que toda a primeira hora do jogo em inglês para só depois que o menu principal seja liberado poder alterar o idioma. Para piorar, é necessário reiniciar o jogo para aplicar a dublagem, não apenas retornar à tela de título.
Outro problema sério, principalmente para um card game, é a pobre seleção de filtros possíveis quando se busca por cartas dentro do jogo. Isso se tornou um defeito especialmente incômodo por ter jogado a versão original de Shadowverse, que oferecia muito mais opções de filtro ao buscar por determinadas cartas.
Fechando a tríade de falhas sem sentido do jogo, aponto a ausência de uma função comum na maioria dos card games atuais: o zoom na arte das cartas. Como dito antes, as ilustrações nas cartas de Shadowverse são impecáveis e é uma verdadeira pena não existir uma opção que permita ao jogador admirá-las em tela cheia.
Plataforma:
Nintendo Switch
Publisher:
XSEED Games
Estúdio:
Cygames
Adorei ajudar a Mimori com suas inseguranças, conhecer o avô de Hiro e brincar de detetives da escola com o Kai. Contudo, eu realmente queria ver melhor a arte das minhas belas cartas de Forestcraft e encontrar o que eu procurava na hora de montar um deck sem levar quase uma hora inteira nos filtros perto do final do jogo.
Trazendo uma nova abordagem e visual para o que talvez seja o melhor jogo de cartas online dos últimos anos, a Cygames torna muito mais amigável o elenco de Shadowverse em Champion’s Battle. O título tenta e quase consegue ser um ótimo jogo, não fosse pelos problemas técnicos que se tornam cada vez mais irritantes conforme o jogo avança, infelizmente tirando o brilho de seus pontos positivos, além de sua duração talvez longa demais.