Este texto é adaptado de um texto de opinião publicado em 2011 e não tem o objetivo de ser uma análise profissional do jogo NieR (2010), porém somente apresentá-lo para os que o desconhecem. O texto é mais focado no próprio enredo do game e por isso contém alguns spoilers, embora eu também fale brevemente sobre aspectos técnicos e jogabilidade.
Também não pretendo abordar as diferenças entre NieR Gestalt e NieR Replicant, que são as versões de NieR que foram lançadas no Japão e no Ocidente, pois os produtores aplicaram mudanças estéticas no título para adaptá-lo melhor ao público japonês e ocidental. Aqui falo exclusivamente da versão lançada no Ocidente.
NieR é um título que realmente marcou minhas experiências gamers. Além de possuir uma história instigante, os personagens são profundos, o enredo é complexo e foge dos clichês de modo surpreendente.
Nier é o personagem principal do jogo e que está sob seu comando. Ele parece um tanto estranho, feio e carrancudo, com uns 50 anos, porém é extremamente gentil, e ama profundamente sua filha Yonah. Só por este motivo já considero NieR um título interessante, pois jogamos com um pai, alguém mais velho, e não uma adolescente ou jovem adulto como normalmente ocorre nos jogos.
A história do título é simples, já o pano de fundo não. Como Nier, você está em busca de uma cura para a doença de sua filha Yonah, fazendo o possível para descobrir os meios de curá-la da misteriosa enfermidade que aos poucos está consumindo a sua vida. Só por aí já achei a sacada do Nier legal, pois você não é um herói em busca de poder, vingança ou aventura – é simplesmente um pai de meia idade que deseja ver sua filha saudável.
Contextualizando um pouco, o mundo de NieR é o futuro de nosso próprio mundo. Porém, um mundo decadente. Algum desastre inexplicável ocorreu e a sociedade humana foi dizimada por completo, restando apenas alguns poucos grupos. Toda a tecnologia se perdeu… assim como o conhecimento dos próprios humanos.
As pessoas voltaram a viver em vilas medievais, viver de agricultura e comércio, sem saber exatamente o que são os destroços de grandes cidades ou pontes enormes que não levam a nenhum lugar. Simplesmente regrediram em termos intelectuais, e apesar de ser um futuro, vivem em um período nada moderno.
Pensar em um futuro que não vai ser cheio de tecnologia e carros voadores, mas sim perdido no próprio tempo, me parece bastante interessante. Afinal, o que destruiu o mundo? Gosto de imaginar que foram nossas próprias guerras, afinal, seria bem plausível e possível.
Em um universo vazio, onde poucas vilas e pessoas existem, pequenas criaturas denominadas Shades começam a aparecer, misteriosos seres vindos das sombras, e ninguém sabe dizer de onde surgiram.
Em um templo perdido ele acaba encontrando Grimoire Weiss, um antigo livro sagrado cheio de conhecimento. O livro é mágico e ainda por cima (!), falante. Ele se junta a Nier e o ensina poderes sobrenaturais que o paizão de família aprende a controlar. Não me lembro muito bem o motivo que une os dois, porém não é simplesmente o acaso. Grimoire Weiss é engraçado, sempre dando palpites e dando uma de sabe-tudo, o que contribui para um relacionamento bastante interessante entre os dois.
Mais para frente, outro personagem único une-se ao grupo. A princípio, com seus próprios motivos e interesses, porém depois devido a afeição criada por Nier. A solitária Kainé. Uma mulher da cidade de Aerie, que sempre foi excluída e agredida pelas pessoas por ser diferente.
Na realidade, Kainé é hermafrodita. Embora tenha um corpo feminino e sensual, ela tem atitudes que são muito mais vinculadas ao aspecto masculino, o que faz dela um personagem extremamente original e significativo.
Muitas pessoas de sua vila a discriminavam ao dizer que ela não era mulher de verdade, nem sequer humana. Sua vó foi a única que cuidou dela com carinho. Devido a sua condição e ao seu histórico de bullying, Kainé se tornou uma mulher triste, amargurada e muito, muito violenta.
Sua vó foi tragicamente assassinada por um Shade, um daquele seres sombrios que vagam pelo mundo, e ao tentar salvá-la, a própria Kainé se feriu fatalmente, comprometendo uma perna e um braço inteiros. Ela morreria caso o próprio Shade não se fundisse com o seu corpo, vivendo ali como parasita. Assim, ela se uniu à criatura que mais odiava – o único modo de se manter viva.
Ela cobriu as partes possuídas pelo Shade com faixas, pois já não são mais humanas, e sim sombras de um corpo que uma vez existiu. Kainé se veste de modo provocante, justamente para incitar sua sexualidade, tentativa de afirmar como deseja ser. Porém, jamais é aceita pelas outras pessoas, e sua entrada sequer é permitida nas vilas mais conhecidas.
Kainé possui uma vida trágica e é uma personagem extremamente única nos mundos de fantasia. Com o tempo, os seus sentimentos vão mudando, e sua boca suja e agressividade vão amenizando graças a presença de Nier, com quem ela sutilmente começa a simpatizar (e alguns até diriam, se apaixonar).
Outro personagem que se junta ao grupo é o menino Emil. Primeiramente apresentado como uma criança frágil, que vive apenas com o mordomo em uma antiga mansão. É uma criança profundamente infeliz, pois possui a estranha habilidade de Medusa – todos os seres vivos que encontram seu olhar são transformados em pedra.
Essa habilidade é como uma maldição para Emil, e involuntariamente ele acabou congelando sua família e funcionários da mansão, restando apenas o mordomo. Os que são transformados nunca mais podem voltar, e isso é claro desde o começo. Ele é “cego”, pois usa uma grossa faixa nos olhos para evitar desastres. Emil se culpa muito, até conhecer Nier.
Anos depois Emil é transformado, sem querer, em outra coisa. Uma espécie de boneco-esqueleto. Odiando sua própria imagem, porém agora podendo enxergar, Emil entra em conflito com sua existência… está sempre desconfortável com a aparência que possui e com a condição em que se encontra. Se antes era cego, agora pode enxergar, porém perdeu o seu corpo original. É emocionante que em determinada cena do jogo, quando Kainé vê Emil pela primeira vez em seu novo boneco-esqueleto, reconhece-o da mesma maneira. Os dois haviam se tornando amigos em um encontro anterior, apesar de suas personalidades completamente opostas.
Os três personagens juntos formam o grupo principal. Unidos, cada um por suas razões, eles partem em busca da cura de Yonah e suas próprias respostas. Weiss está sempre brigando com Kainé por ser boca suja infame, Emil tentando amenizar a situação, e Nier muito concentrado em seu objetivo.
Um aspecto interessante que eu gosto de ressaltar é que o jogo não possui um vilão exatamente. Até os vilões têm seus sentimentos e vidas, que acabam se ligando aos dos próprios personagens. E isso fica claro quando jogo é jogado pela segunda vez, pois uma nova série de diálogos é inserida. O jogo também possui múltiplos finais, dos mais tristes, inesperados, até os que podem ser considerados felizes.
Existem muitos outros personagens e histórias paralelas, como um povo mascarado que segue milhares de normas, uma vila dormente nas florestas, e mais alguns outros. Mas escrever sobre tudo isso tornaria esse longo texto ainda maior. Saibam que cada história paralela também é minimamente trabalhada com seus personagens, possuindo ótimos enredos.
Deixo com vocês também algumas das belas músicas de NieR, ouçam abaixo e tenho certeza de que não irão se arrepender. As músicas são lindas mesmo, e foi criado um próprio idioma para o jogo, a língua que é cantada. É uma língua fictícia com misturas de japonês, inglês, francês e até português, porém possui significados misturados.
Falando brevemente sobre os aspectos técnicos…
Com uma das trilhas sonoras mais LINDAS que eu já vi para o jogo, muitas das músicas emocionam. Você realmente se afeiçoa aos personagens, simplesmente pela personalidade deles e o que eles revelam ao longo da jornada. As músicas sempre parecem tocar na hora certa, criando um ótimo clímax para as cenas mais emocionantes.
A dublagem de todos os personagens é excelente, não consigo imaginar dublagem melhor para um jogo. Você pode visualizar a força e determinação, mas cheia de bondade, na voz de Nier. Grimoire Weiss possui uma voz petulante que é ótima. A voz de Kainé é muito interessante, uma voz feminina forte que se encaixa perfeitamente no papel grosseiro do personagem, assim como as frágeis vozes de Emil e Yonah.
A jogabilidade e os gráficos deixam a desejar, e bastante. O jogo é relativamente feio, ainda se considerarmos que é um jogo de PlayStation 3. A jogabilidade não é das melhores também, aliás é horrível, não existe sequer a opção de dar um “lock-on” nos inimigos. Porém, para mim esses dois aspectos técnicos não tiveram tanta importância no final devido ao enredo ser super instigante.
Na minha opinião este é um ótimo jogo! Me surpreendeu em todos os sentidos! Eu adoro jogos de RPG como Final Fantasy, porém este possui uma história que se mostrou muito mais humana e original do que vários jogos por aí. Recomendo aos que gostam do gênero e de uma boa história.
Sobre o autor
Ian é redator, copywriter, webwriter – nomeie como desejar. No fundo, um escritor amador que faz da internet um meio para ganhar o $ de todo dia! Se não está trabalhando, fica procurando pelo sentido da vida enquanto vê filmes, séries, lê livros e mangás, e claro, se distrai com games.
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