Fire Emblem nunca foi uma franquia conhecida por ter histórias meticulosamente elaboradas. Alguns títulos como Echoes e Awakening trabalham um pouco melhor seus enredos mas, numa visão geral, a série não é digna de ser reconhecida pela sua qualidade de escrita como Final Fantasy ou Persona.
A trama quase sempre envolve um dragão maligno a ser derrotado com o uso do epônimo Fire Emblem, uma relíquia mística extremamente poderosa presente de alguma maneira em todos os 15 títulos lançados até agora dentro e fora do Japão. Assim como The Legend of Zelda que costuma manter as histórias de seus jogos com pilares em comum, a série de RPG tático continuou sendo produzida até hoje por aprimoramentos em seus sistemas, como o inovador triângulo de armas e a mecânica de suporte que lembra bastante os Social Links de Persona 3 em diante.
No mês de julho de 2019 teremos o lançamento do décimo-sexto Fire Emblem e o primeiro para Nintendo Switch, libertando a Intelligent Systems das limitações de hardware oferecidas pelo 3DS, console que recebeu o décimo-quinto jogo — Fire Emblem Echoes: Shadows of Valentia — e essa geração anterior ao console atual da Nintendo é algo que merece atenção para entendermos melhor o que Three Houses representa para os fãs.
Um recente passado controverso
Ao todo foram três títulos lançados para a família 3DS: Awakening, Fates e Echoes, cada um com características muito importantes para o que virá a ser o novo game da série. Enquanto Awakening é considerado por muitos o melhor jogo da franquia, Fates tende a ser visto como um dos piores e Echoes ganha disparado de qualquer outro título quanto à controversa opinião dos fãs quanto à ele.
Fire Emblem Awakening foi o primeiro jogo de uma nova geração que deixava o muito bem sucedido Nintendo DS para trás e não apenas isso, a qualidade desse jogo simplesmente precisava ser muito alta por conta de seu antecessor, Shin Monshou no Nazo, nada mais do que um remake do então jogo mais aclamado da franquia lançado originalmente no Super Famicom.
Com outras séries gigantescas como Final Fantasy, Dragon Quest e Pokémon crescendo cada vez mais e tendo à sua disposição novas tecnologias oferecidas por uma nova geração de hardwares, Fire Emblem estava perdendo todo o prestígio que possuía na década de 90 quando tornou-se popular. Algo deveria ser feito para manter a franquia viva e muita gente que trabalhou em Awakening revelou que aquele poderia ter sido o último jogo da série.
O sucesso do remake não foi nada estrondoso mas diante de vendas abaixo do esperado em obras anteriores, os números discretos mas positivos de Shin Monshou no Nazo foram vistos com otimismo pela Nintendo que resolveu dar mais uma chance aos desenvolvedores em seu novo console portátil.
Aquela era a “hora H”, era o tudo ou nada para o estúdio Intelligent Systems e, com a franquia praticamente condenada caso o próximo jogo não fosse bem recebido, a equipe de desenvolvimento resolveu fazer o melhor Fire Emblem possível. Muitos acreditam que eles conseguiram.
Awakening apresentou uma qualidade gráfica muito superior ao remake do jogo clássico e modelos completamente em 3D durante as cenas de confronto. Além disso, aquele que conhecemos como Robin nos dias de hoje era o protagonista do jogo e pela primeira vez na série, um avatar customizável foi utilizado como base, podendo inclusive ser do sexo masculino ou feminino, influenciando diretamente na terceira parte que cativou o público, a mecânica de suporte onde dois personagens poderiam aumentar sua afinidade e ganhar benefícios em batalha ou até mesmo se tornarem um casal.
Aquela franquia que poderia ser cancelada caso não obtivesse um bom resultado agora recebia uma nota 92 no Metacritic e transformava Awakening no título mais vendido de toda a série com quase 10 vezes mais cópias vendidas do que seu antecessor. Fire Emblem estava de volta e os fãs muito animados com a nova cara da franquia. Pelo menos até o jogo seguinte ser lançado.
O título que saiu em seguida foi Fire Emblem Fates e, apesar de ser de longe o game mais detestado pelos fãs, é ironicamente o mais vendido de todos com um desempenho um pouco melhor do que Awakening. Talvez isso seja por conta da expectativa que o jogo anterior tenha criado no público mas o fato é que quando a comunidade fã de Fire Emblem é questionada a respeito de Fates podemos encontrar aqueles que amam e aqueles que odeiam o jogo.
A principal razão para a rejeição do game é o aprofundamento das mecânicas de suporte com a adição de um modo skinship (basicamente você acariciava os personagens com a caneta stylus do 3DS) e alguns personagens considerados material de fan-service como Camilla, Kagero e Rhajat.
Personagens com visuais sensuais e um gameplay considerado fácil demais no primeiro título de Fates causaram uma péssima primeira impressão nos fãs mais conservadores que estavam acostumados com cavaleiros de armadura e uma dificuldade elevada em batalha. Mais tarde essas reclamações causaram a remoção do modo de intimidade nas versões ocidentais do game e pela primeira vez um Fire Emblem recebeu três rotas distintas com nomes próprios.
Fates agora tinha sua própria “trilogia” com Birthright, um jogo mais fácil e com possibilidade de grinding contínuo e acesso à família real de Hoshido; Conquest, com uma dificuldade muito mais alta e quase nenhuma chance de grinding além de se aliar à nação de Nohr contra Hoshido e, por último, uma rota neutra que tentava unir os detalhes das anteriores chamada Revelations na qual o jogador poderia recrutar qualquer personagem das duas nações para seu exército e enfrentar a verdadeira causa da guerra.
Enquanto Birthright foi o principal alvo de críticas pela sua baixa dificuldade, o título foi muito importante por ser uma porta de entrada para novos jogadores e Conquest até certo ponto conseguiu agradar os jogadores mais antigos graças à sua dificulade elevada. Já Revelations pode ter sido uma tentativa de refinar o sistema para encontrar um meio termo que pode ter funcionado bem para alguns mas falhado miseravelmente para outros.
Apesar de todo o burburinho, Fates vendeu bem e garantiu que um próximo jogo fosse produzido e dessa vez pudemos ver que estava tentando encontrar sua nova cara com o lançamento de Fire Emblem Echoes: Shadows of Valentia, um game sem protagonista customizável e quase nada dos títulos anteriores.
No último game da série os jogadores controlavam dois protagonistas em capítulos intercalados — Alm e Celica, amigos de infância que se viam envolvidos numa sanguinária guerra. Quase nada era customizável em Echoes e a personalidade da dupla principal era pré-estabelecida fazendo desse jogo uma experiência inédita em Fire Emblem onde a Intelligent Systems tentou contar uma história pronta para o jogador ao invés de oferecer liberdade a ponto de fazer carinho no rosto sugestivo de Camilla (que é sua irmã) enquanto guerreiros se matam lá fora e vocês estão a sós.
Mais uma vez tivemos um título controverso por diferir muito do que a franquia costumava apresentar ao público. Em minha sincera opinião, Echoes é um ótimo jogo mas tenho minhas dúvidas se a maioria dos fãs concordaria comigo. Essa opinião impopular sobre o décimo-quinto jogo da série tem embasamento na qualidade da história contada nesse título.
Como dito no início do artigo, Fire Emblem nunca foi conhecido por ser um primor de enredos bem escritos e isso nunca foi um problema por conta de sua jogabilidade única e seus personagens marcantes que até certo ponto eram suficientes para fazer um bom jogo. No caso de Echoes, muito do que foi construído com Awakening e Fates acabou sendo simplesmente ignorado e certamente isso causa estranheza, mas eu gostaria de chamar a atenção para o fator mais poderoso da jornada de Alm e Celica: a história.
Echoes conseguiu entregar uma história incrivelmente emocionante que pode ser comparada com muitos bons RPGs japoneses, inclusive a referência mais comum que é Final Fantasy. A narrativa de dragões malignos ainda estava presente mas deixara de ser o foco para dar lugar ao conflito de dois protagonistas que se amavam desde a infância e agora precisavam se enfrentar por motivos de honra, família e obrigações sociais.
Alm era líder dos rebeldes contra o reino do tirano Rudolf, o qual Celica não acreditava ser alguém tão maligno quanto seu amigo dizia e isso constantemente os colocava frente a frente como inimigos mesmo que nutrissem sentimentos um pelo outro.
Era a primeira vez que um título da franquia trazia um confronto tão complexo e personagens tão interessantes contando sua própria história ao invés de se valer da velha narrativa que havia sido repetida mais de dez vezes desde 1990. Aquele era um novo Fire Emblem como Shin Monshou no Nazo e Awakening haviam sido.
Explorações em terceira pessoa ao invés da navegação constante por menus e mais de 30 minutos de cutscenes fazem de Echoes uma obra que merece respeito. Vale ressaltar que o game também é um remake, recontando a história da spin-off Fire Emblem Gaiden que contava sobre acontecimentos após o primeiro jogo da franquia porém com muito mais detalhes e uma história quase que completamente reescrita.
Aprendendo com os erros
Tudo que foi dito sobre os três jogos anteriores parece convergir maravilhosamente em Three Houses pelo que sabemos até agora.
O ponto fraco de Awakening é Robin, o protagonista quase sem personalidade do game que acaba dando mais foco do jogo aos seus companheiros por suas falas constantemente apenas repetirem o que foi dito pelo interlocutor. Isso será subvertido no novo título com Byleth, o protagonista de Three Houses, com o personagem sendo ativo nas conversas e incentivando seus alunos em batalha, tendo destaque evidente por ser um professor.
As três rotas introduzidas em Fates também estarão presentes no novo jogo na forma das três casas que podem ser escolhidas para o jogador lecionar, uma influência clara da ideia de conhecer uma mesma história de três prismas diferentes. Note que não existem personagens apelativas em Three Houses com exceção talvez de uma das professoras que, diferente de Camilla, é claramente uma mulher adulta, o que já torna seu visual muito mais aceitável.
O ponto mais marcante de Echoes foi sem dúvida a linha tênue entre o que era certo e o que era errado na guerra de Zofia e a divisão dos próprios fãs quanto às causas de Alm e Celica e soubemos recentemente que Three Houses terá um salto de cinco anos em sua história onde as três casas presentes no monastério entrarão em confronto direto, o que pode indicar o retorno dessa temática sem “preto no branco” tão bem executada no jogo anterior.
O novo Fire Emblem vem sendo revelado cada vez mais com o passar dos dias, apresentando novos personagens, mecânicas interessantes e pistas de sua história, prometendo ser uma consolidação de tudo que a Intelligent Systems aprendeu com o sucesso de Awakening e seus controversos sucessores. Tudo indica que Three Houses terá o melhor dos três últimos jogos com a remoção dos pontos que geraram críticas aos mesmos.
Se quiser saber mais sobre o game você pode conferir todas as notícias sobre ele aqui.
Fire Emblem: Three Houses será lançado em 26 de julho exclusivamente para Nintendo Switch.