Algumas vezes é uma experiência interessante parar e olhar para a biblioteca de jogos disponíveis na loja virtual da sua plataforma atual — seja ela Steam, PlayStation Store, Nintendo eShop ou qualquer outra do tipo. De vez em quando, podemos encontrar jogos dos quais tínhamos nos esquecido, jogos peculiares e estranhos, ou indies que por um motivo ou outro não tiveram muito tempo nos holofotes da atenção das pessoas. Nessas visitas, ocasionalmente achamos um jogo que chama nossa atenção, seja pelo título, pela estética, a descrição ou até uma junção de todos os fatores — e foi exatamente essa situação que me fez conhecer Kamiko.
Desenvolvido pela Skipmore e distribuído pela Flyhigh Works, Kamiko é um jogo independente de ação e leve elemento de puzzle com uma estética pixelizada e temas ligados ao xintoísmo japonês, lançado em 2017 para Nintendo Switch. Com mais alguns jogos obscuros como Fairune e Drancia em seu catálogo, o título é o lançamento mais recente da empresa que já estabeleceu visivelmente um estilo de pixel art e influência de RPG em seus jogos anteriores.
O jogo começa com uma tela calma e contemplativa ao som de uma música “chiptune” suave que indica o início de uma jornada. O jogador escolhe entre três personagens: Yamato, Uzume e Hinome, cada uma com uma arma e jogabilidade distinta.
Após escolhido, a personagem é recebida em um santuário no reino dos mortos, onde lhe é dada a missão de purificar a terra das criaturas demoníacas que bloqueiam a passagem do mundo dos vivos ao mundo dos mortos, juntamente de seu uniforme e arma sagrada preferida. A partir daí, o jogador é transportado diretamente à “Floresta do Despertar”, de arma em punho, para exterminar o mal e restaurar a paz no planeta.
O objetivo do jogo é explorar o terreno de cada local, derrotando as criaturas demoníacas e restaurando os portais entre os mundos para que os demônios não saiam e dominem o mundo dos vivos. Para isso, o jogador deve coletar chaves e operar mecanismos utilizando o poder de orbes obtidos derrotando os oponentes — algo similar a uma barra de “mana”, preenchida ao derrotar os demônios — para ativar o teletransportador que o levará ao guardião demoníaco (o chefe, em outras palavras) da fase.
O jogador também se verá de frente a inimigos que reaparecem constantemente, e diversas situações onde, ao entrar por uma porta, ela se fechará e só abrirá quando um grupo de inimigos for eliminado. Estes inimigos variam esteticamente de fase para fase e possuem algumas características diferentes, como se teletransportar ou atirar projéteis em várias direções, mas 80% deles apenas vão correr de encontro ao jogador.
Em termos de jogabilidade, Kamiko usa um botão para atacar, um para correr e outro para interagir com o ambiente, enquanto o jogador procura chaves para abrir portas, coleta orbes de seus inimigos para operar mecanismos, restaurar portais, lança golpes especiais e explora o mapa para encontrar possíveis segredos e melhorias escondidas pelas fases. Estruturalmente, o jogo se assemelha a um Zelda clássico, particularmente da era do Game Boy (como Link’s Awakening ou Oracle of Seasons), se eliminarmos o mapa principal e colocarmos as “dungeons” como fases tradicionais lineares.
Dependendo da personagem de sua escolha, sua arma será uma das três joias da coroa japonesa: Yamato possui a “Lâmina de Kusanagi” — espada que o deus Susanoo brandiu — Uzume possui a “Magatama de Yasakani” — uma das joias usadas no ritual para atrair a deusa Amaterasu de sua caverna — e Hinome possui o “Espelho de Yata” — também usado como joia no ritual para atrair Amaterasu da caverna. Se você jogou The King of Fighters ou Okami, alguns desses nomes podem parecer familiares visto que estão muito ligados à cultura e folclore do Japão.
A jogabilidade entre as três personagens varia consideravelmente. Yamato possui ataques mais rápidos e que só podem ser usados a curto alcance, contando com um combo de três golpes e um poder especial giratório, bem ao estilo Zelda. Uzume usa a joia Magatama transformada em um arco, com golpes exclusivamente de longa distância, lançando flechas em um “cone” de visão à sua frente e uma saraivada de flechas teleguiadas. Hinome é uma espécie de meio-termo entre as duas — ela pode lançar o Espelho de Yata como um bumerangue, conseguindo um pouco de alcance à longa distância, e enquanto ele volta, usar sua espada a curto alcance (menor que de Yamato), além de lançar o Espelho em forma circular ao seu redor.
A jogabilidade geral dividida pelas três personagens é fluida — se movimentar e correr é bem rápido e fácil de controlar (o que vai ser necessário para algumas partes com limite de tempo) e interagir com objetos é de resposta rápida e satisfatória. Quando chegamos às habilidades de cada personagem, existe uma leve latência antes de desferir qualquer ataque, entre o momento que você aperta o botão e o momento que o golpe é realizado existem alguns milésimos de segundos que podem fazer a diferença em certas situações. Com Yamato (espada), esse tempo é quase nulo, com Hinome (espelho) é um pouco maior e com Uzume (arco) é o maior de todos. Considere o tempo entre brandir uma espada sacada e preparar uma flecha em seu arco para atirar, varia bastante!
Essa diferença de tempo traz uma espécie de balanceamento diferente para as personagens, mas as habilidades em si e suas utilidades não são tão bem pensadas. A espada de Yamato e as flechas de Uzume possuem o mesmo dano — o que não parece ruim, já que Uzume possui a vantagem de ataque à longa distância, mas o foco constante em inimigos que vão de encontro ao jogador misturado ao combate forçado em ambientes fechados e os inimigos que reaparecem constantemente a poucos passos do jogador acaba por desbalancear o equilíbrio entre as três personagens, passando muitas vezes o sentimento de que Uzume não foi exatamente feita para aquele jogo. Isso é especialmente acentuado se considerarmos que o espelho de Hinome possui desvantagens similares às flechas de Uzume (leva mais tempo para ser lançado), mas possui dano mais elevado do que de todas as outras personagens.
Se esse balanceamento fosse revisado (se as flechas dessem dano maior, por exemplo), todas as personagens seriam igualmente divertidas de experimentar e dariam opções mais sólidas para todos os estilos de jogo.
Ao final de cada fase, o jogador se encontrará em uma sala onde poderá recolher uma melhoria para a quantidade de orbes máxima (“mana”) e vida máxima, seguida de um chefe se tratando de um mecanismo da Terra possuído por uma energia demoníaca. Cada um dos chefes possui padrões e estratégias diferentes, todas envolvendo expôr um ponto fraco para poder derrotá-lo. Ao passar pelas quatro fases, chega finalmente a hora de enfrentar o último guardião, e essas são cenas que só você pode descobrir…
Ao final da aventura com uma personagem, o jogador pode escolher o mesmo save e tentar o jogo novamente com outra das personagens, se assim desejar, o que aumenta um pouco o fator de re-jogabilidade, mas ainda assim Kamiko é um jogo notória e consideravelmente curto, rendendo cerca de duas horas de jogabilidade se jogado com as três personagens. Por outro lado, é algo que o jogo tem plena noção e, como consequência ou não disso, o título se foca bastante no jogador que gosta do estilo arcade e principalmente speedruns.
Com direito a opção de um cronômetro de tempo, é um jogo para ser jogado várias vezes em jogatinas curtas para conseguir o menor tempo possível. Infelizmente, Kamiko não oferece placares online, o que elimina bastante o sentimento de competição com outros jogadores.
O título também possui melhorias de vida, orbes máximos e colecionáveis secretos escondidos pelas fases, o que pode dar um maior valor de aproveitamento para jogadores que preferem explorar cada pedacinho das fases com calma (o que eu pessoalmente prefiro), liberando uma opção secreta no menu ao encontrar os quatro itens secretos espalhados pelo jogo, encontrados interagindo com os lugares mais inimagináveis das fases. Infelizmente, a recompensa por encontrar todos os segredos não vale a pena… mas se você gosta de explorar, ao menos isso é oferecido.
Kamiko é um jogo simples, rápido e direto ao ponto. Não é ambicioso e faz exatamente o que se propõe a fazer, sendo divertido, curto e não é muito caro. Se você quer um curto título indie para ocasionalmente revisitar, Kamiko é um pequeno diamante bruto entre os jogos independentes: não é tão sofisticado e precisa de um pouco de “polimento”, mas ainda vale a pena ser escavado.
O game se encontra disponível para Nintendo Switch e PC via Steam.