Já estou há algum tempo tentando trazer alguma review de visual novel aqui na Den, mas ultimamente estava meio complicado ter tempo e energia para ler algo. Assim, lembrei que falamos menos do que deveríamos sobre jogos para o público feminino na internet, então uni o útil ao agradável e resolvi escrever sobre Paradigm Paradox, uma visual novel exclusiva do Nintendo Switch que tem mulheres como público alvo (um otome game!).
Um fator importante na equação, antes de começarmos, é deixar claro que trabalhei muitos anos da minha vida cobrindo anime e mangá (cultura pop japonesa em geral) e que boa parte dos modelos de história dessas mídias se tornaram cansativos para mim. Apesar disso, de vez em quando encontro obras valiosas entre as muitas… questionáveis.
Paradigm Paradox me chamou atenção por um detalhe interessante: a presença raríssima de genderbend (troca de gênero) com pessoas do sexo masculino, especialmente em uma obra para mulheres. Por se tratar de uma visual novel japonesa, essa curiosidade veio acompanhada por um justificado receio. Essa review é um relato de como fui surpreendido, mas será que positiva ou negativamente?
O mundo distópico de Theta
A trama do game gira em torno de Yuuki, residente de Theta, uma colônia dentro de uma cúpula gigante. O domo ao redor do lugar é essencial para a sobrevivência do povo de que vive nele, já que o lado de fora se tornou hostil. Tudo além da cúpula definhou após um evento apocalíptico, exceto por algumas criaturas perigosas conhecidas como “vectors”.
No início do jogo, descobrimos que os pais de Yuuki morreram quando ela era muito jovem e que ela não se lembra deles. Assim, a protagonista tem como única lembrança um pingente que supostamente pertenceu a eles.
A garota leva uma vida comum como estudante em um dormitório próximo à universidade, com sua amiga Lize. No entanto, Yuuki deseja mais do que uma vida comum e essa vida de fato muda quando ela é forçada a se unir a um grupo de garotas com poderes chamado “Bloom”. As meninas compõem uma força especial que é capaz de derrotar vectors.
Os meninos e suas rotas
Sou incrivelmente ansioso com jogos que têm rotas distintas, principalmente quando a ordem que você joga tem potenciais spoilers das demais. Por esse motivo, normalmente jogo apenas a rota do personagem que mais me chama atenção e considero o jogo finalizado.
Contudo, a fim de trazer uma review mais detalhada por aqui, pesquisei rotas recomendadas para o jogo e encontrei uma que teve uma explicação plausível. Dessa forma, falarei brevemente dos meninos na ordem que joguei suas respectivas rotas.
Tokio é a opção nerdzinha do elenco. Ele nasceu e cresceu dentro de uma instalação de pesquisa, tendo apenas Ayumu como amigo. Tokio sempre teve uma boa relação com seus pais, que são pesquisadores no mesmo laboratório, herdando a curiosidade deles pelo mundo.
É muito gentil e atencioso com Yuuki, mas suas habilidades sociais são praticamente nulas, apesar de não ser exatamente um personagem introvertido.
Kamui é o garoto popular no ensino médio e tem o famoso fã clube de meninas colegiais sempre atrás dele. Apesar disso, o personagem não é nenhum quarterback de filme adolescente, raramente demonstrando algum tipo de egocentrismo.
A rota de Kamui foi uma das mais interessantes por fugir muito do clichê do garoto popular. Sem entrar em muitos detalhes, o personagem pensa muito no que as outras pessoas acham dele e isso apresenta um lado inseguro que eu não estava esperando baseado nas primeiras impressões que tive sobre ele.
AGORA VAMOS FALAR DO MEU MARIDO Mihaya é kohai de Yuuki, ou seja, estuda em um ano abaixo dela. Ele geralmente fica sozinho na biblioteca da escola e não é conhecido por socializar com outros colegas de classe.
Por não se relacionar muito com ninguém, existem muitos rumores sobre ele, alguns baseados em informações reais, outros não. O principal desses rumores é o suposto fato dele ser antissocial por traumas que sofreu na infância.
Eu tinha gostado bastante da rota de Kamui e a expectativa para Mihaya era alta, então fico feliz em dizer que ele foi o personagem que deixou claro a maneira como os meninos eram escritos nesse jogo: ninguém é o que parece.
Tenho uma certa resistência com figuras de autoridade e Ayumu é o presidente do conselho estudantil. Fiquei curioso com ele depois que notei o padrão das histórias e liguei isso ao fato do personagem ser ríspido com garotas.
De fato, essa rota parece ser indicada para quem gosta de doramas chineses e adora ser maltratada. A sensação que ficou é que Ayumu só se importa com sua irmã, Ritsu e tem ciúmes que acenderam uma luz de alerta na minha cabeça durante a rota.
Se você gosta do clichê do cara que maltrata a garota e depois vai amolecendo, sugiro um terapia, mas a rota de Ayumu pode ser interessante. Para não dizer que só reclamei do coitado, passei um bom tempo da rota invejando o cabelo dele.
A rota de Ibuki é a que mais tem reviravoltas, então é complicado falar sobre ela (por esse motivo escolhi uma imagem com close no rosto dele). O detalhe principal que torna difícil discorrer sobre essa rota é o fato de que ao entrar nela, todo o enredo do jogo muda radicalmente e, bem, isso é tudo que posso dizer.
Ibuki não chega a ser um personagem yandere, mas algumas de suas atitudes foram claramente inspiradas nesse tipo de personalidade. Desde o início, fica claro que as opiniões dele sobre os outros personagens são no mínimo peculiares e isso atiça a curiosidade.
Contudo, por ter tantas reviravoltas e também por ser a rota que mais fala sobre os pais de Yuuki, não recomendo começar por Ibuki, mesmo que ele desperte sua curiosidade (e não, realmente não dá para falar muito dele).
Hyuga é basicamente um “seguidor” se Ibuki, tendo quase uma idolatria pelo amigo. Tem muito talento doméstico e sabe cozinhar, limpar e muito mais. Seu temperamento rude não é muito explicado, então provavelmente só está lá para agregar na imagem de gangster que o personagem apresenta.
O fofo psicopata, sempre tem o fofo psicopata… Yukinami é uma rota que apela para o inverso de Ayumu, colocando Yuuki no papel de uma irmã mais velha que se preocupa com alguém. O fato da psicopatia do personagem ser basicamente o que define sua personalidade torna tudo cansativo, então foi facilmente a rota que menos aproveitei.
Yuuki conhece Ryo inicialmente como a “Fada”, por ser o trabalhador de manutenção da academia e aparecer em momentos raros (o apelido tem um motivo). Posteriormente é descoberto que ele tem uma certa relação com a Bloom.
Não ficou claro o que rolou nessa rota… Talvez a ideia era transformar o enredo em um thriller mas enquanto seguia o caminho de Ryo, eu simplesmente me esquecia que o jogo era de romance. Dito isso, ele é admirável e de longe o personagem mais bem escrito dos meninos.
Uma visual novel que faz o mínimo
Paradigm Paradox tem algo que eu vejo muito em visual novels mais recentes, que é uma discrepância incômoda entre a qualidade da arte dos personagens e aquela empregada nos cenários. Enquanto todos os meninos têm designs interessantes, os cenários ao longo de todo o jogo são os mais genéricos possíveis.
Infelizmente, o mesmo pode ser dito da trilha sonora do game. Apesar do tema de abertura ser agradável, todo o resto das músicas parece tirado de um banco de canções com uso livre de direitos autorais. O encerramento deixa isso evidente, quando mais uma música cantada aparece, causando o mesmo incômodo por discrepância que citei sobre a arte.
Outro problema que encontrei foi a presença promissora de uma página de status de Yuuki, que deu a entender que ela seria mais do que apenas um avatar do jogador. Me decepcionei bastante quando descobri que a página servia apenas como indicativo de qual rota você está seguindo naquele momento e outros indicativos relevantes sob os quais o jogador não tem muita agência.
Essa não foi a primeira visual novel que joguei na vida, então entendo a utilidade desses indicativos, mas nomear a página de “status” e apresentar um layout digno de um RPG me iludiu no começo. Normalmente essas informações ficam em um fluxograma que mostra as rotas em si, então achei desnecessário separar os detalhes.
Conclusão
A fim de evitar politizar demais o texto, deixei minha principal crítica para o final do texto, aqui, na conclusão. Paradigm Paradox, como disse antes, brinca com o gênero dos personagens e tem razões narrativas totalmente tolas para tal. Ao invés de discutir sobre como Yuuki vê e reage a meninos e meninas de maneira diferente, a explicação, mais uma vez, como tanto vemos em jogos japoneses é usada simplesmente como piada.
O jogo não é uma visual novel ruim, longe disso, mas é frustrante terminar um jogo e sentir que ele poderia ter sido tão melhor por conta de erros e decisões bobas. O ritmo errático (algumas rotas são corridas demais) e a trilha sonora fraca tiram muito valor da obra e não fazem jus ao bom trabalho de dublagem que o game apresenta.
Por fim, a razão pela qual dei esse título para a review. O jogo tem nuances de romance, ação, garotas mágicas e troca de gêneros, mas não se aprofunda em absolutamente nada. A sensação mais predominante depois de mais de 40 horas de jogo é de que Paradigm Paradox foi uma ótima ideia, mas também totalmente desperdiçada.