Rune Factory: Os RPGs de Harvest Moon


Stardew Valley antes de Stardew Valley

Harvest Moon: Back to Nature – PS1, 1999

A série de simulação de fazenda Bokujō Monogatari (A História do Rancho) é sem dúvida uma das mais celebradas da história dos videogames. Trazidos ao ocidente como Harvest Moon, e a partir de 2014 como Story of Seasons (por conta de uma confusão legal a respeito do nome), os jogos são Inspirados na vida simples do campo, como uma forma de escapismo da realidade caótica das cidades.

A série ostenta um histórico respeitável desde 1996: de lá pra cá estima-se que mais de 12 milhões de jogos da série principal foram vendidos. Para se ter ideia, a série Fire Emblem vendeu em torno dos mesmos 12 milhões desde sua criação (até o início deste ano, pelo menos).

Stardew Valley, jogo indie lançado em 2016, foi muito bem recebido pelo público e pela crítica ao combinar os elementos de simulação de fazenda, já solidificados por Harvest Moon, com novas mecânicas de crafting e exploração de dungeons. O que poucos sabem é que a Marvelous, empresa responsável por Harvest Moon, já estava envolvida no desenvolvimento de spin-offs da série, com estes mesmos elementos, quase 10 anos antes.

Harvest Moon, Futuro e Fantasia

As comemorações do décimo aniversário de Harvest Moon contaram não apenas com o anúncio de dois jogos que seriam lançados em 2007 para DS e Wii (Island of Happiness e Tree of Tranquility, respectivamente), mas também com o lançamento de dois diferentes spin-offs que levam o mesmo subtítulo: Shin Bokujō Monogatari.

Shin Bokujō Monogatari seria em tradução literal a “Nova História do Rancho”, ou ainda um “Novo Harvest Moon“. Tratam-se de RPGs de ação experimentais, que serviriam para levar a premissa básica de Harvest Moon, cuidar de uma fazenda, a níveis nunca antes explorados. Ao invés de uma história ambientada no mundo real, estes jogos contam com elementos de ficção científica e fantástica. Innocent Life – A Futuristic Harvest Moon e Rune Factory – A Fantasy Harvest Moon foram lançados ainda em 2006. Innocent Life saiu para o PSP e Rune Factory, por sua vez, saiu para o Nintendo DS.

  

Os dois “novos Harvest Moon

Innocent Life optou por abandonar a ambientação rural característica de Harvest Moon em prol de algo mais cinza: o jogo, ambientado em 2022, tem como cenário uma ilha em que a humanidade depende de máquinas para todo tipo de atividade, inclusive o plantio de alimentos.

A falta de contato das pessoas com a Terra fez com que os espíritos da natureza que ali viviam se isolassem da humanidade, e cabe ao protagonista, um androide, resgatar o contato com os espíritos cuidando de uma antiga fazenda, ao mesmo tempo em que descobre o que é que nos faz humanos. O jogo foi desenvolvido pela própria Marvelous e, mesmo saindo também para o PS2 dois anos depois, não foi muito bem recebido.

A Fazenda indoor de Innocent Life

Rune Factory, por sua vez, tomou a direção contrária de seu irmão futurístico. O jogo substituiu a ambientação rural pela medieval, apresentando um mundo composto de reinos habitados por pessoas e monstros. A história criada para este mundo troca os tradicionais espíritos da natureza por dragões supremos, responsáveis por manter a harmonia entre a Terra, os humanos e a magia dos quatro elementos.

Kardia, a vila medievalesca de Rune Factory

O principal diferencial de Rune Factory com relação a Innocent Life, que talvez tenha sido o que o fez ganhar público enquanto o outro fracassou, foi ter continuado dando importância ao sistema de relacionamentos. Enquanto Innocent Life é um dos poucos Harvest Moon em que não há a opção de se casar, Rune Factory conta com um número alto de personagens e pretendentes, mantendo viva a fórmula de Harvest Moon em que fazer amizades e participar dos festivais da vila é tão importante quanto a própria administração da fazenda.

O jogo, além de tudo, não foi desenvolvido apenas pela Marvelous: Rune Factory foi encabeçado pela Neverland, responsável pela tradicionalíssima série de RPGs Lufia (que data igualmente da era de ouro do Super Nintendo). A produção ficou por conta de Yoshifumi Hashimoto, da Marvelous mesmo (cabeça por trás da série Muramasa e de Harvest Moon no geral a partir de The Tale of Two Towns).

Novidades e diferenças

Por se tratar de um RPG, o protagonista tem agora uma barra de vida e uma barra de pontos de ação, utilizada tanto para o uso de magia quanto para todo tipo de atividade física, como utilizar ferramentas da fazenda e armas, pescar e cozinhar. Seus atributos foram divididos em diversos stats, que crescem conforme se aumenta o nível de experiência em batalhas. Há também a experiência para uso de ferramentas e determinadas ações, que faz com que menos pontos de ação sejam utilizados nas atividades conforme o tempo.

Cuidar da fazenda não é só uma fonte de renda. Como em Harvest Moon, galhos de madeira e pedras continuam lá, servindo para a produção de materiais para a expansão da fazenda. O plantio, além das flores e vegetais, produz “runas”, uma espécie de força da natureza concentrada que o jogador utiliza para recuperar seus pontos de ação. Surge um elemento de estratégia, em que pode-se plantar vegetais dentro das dungeons principais para se fazer uma espécie de reserva de energia em longas explorações. Uma vez que cada dungeon representa uma das estações do ano, é possível também plantar sementes fora de época.

A exploração dos mapas é parte integral da história em Rune Factory, e a mudança que talvez seja a mais radical para aqueles que estão acostumados com Harvest Moon é que os monstros tomam totalmente o lugar dos animais de fazenda. Ao invés de comprar e reproduzir animais de criação, o jogador agora deve ir até onde estão os monstros e, fazendo amizade com estes, trazê-los para sua fazenda.

Mais do que produzir leite, lã e ovos, os monstros podem ajudar o jogador no plantio e na colheita, acompanhá-lo na exploração como um membro da equipe e até servir como montaria. Além de monstros que fazem as funções de vacas, galinhas e ovelhas, temos desde insetos e lobos a goblins e espíritos mágicos.

Os monstros derrotados deixam para trás itens que podem ser utilizados no novo sistema de crafting, no qual o jogador pode criar novos itens, armas e até mesmo novas ferramentas para a fazenda. A mineração também está presente, com metais e pedras preciosas sendo utilizados na produção de itens e como importantíssima fonte de renda.

O sistema de cozinha também foi totalmente remodelado, contando com mais de 150 receitas envolvendo produtos vindos de monstros, peixes, frutas coletadas e legumes colhidos. Há também um novo sistema de farmácia, em que o jogador pode produzir tônicos e poções que aumentam temporariamente seus atributos, recuperam sua vida e curam status negativos como envenenamento e paralisia.

E, assim como em Harvest Moon, o jogo é praticamente infinito. Acabada a história principal pode-se continuar jogando, plantando e explorando até que se complete a (extensa) lista de itens e receitas disponíveis, que se expanda ao máximo a fazenda e se recrute o maior número possível de monstros.

O nascimento de uma franquia

Em suma, o jogo cresceu muito além do Harvest Moon tradicional. Vendendo tanto quanto um jogo da série principal, Rune Factory deu origem a uma série própria, com sua própria identidade visual e dedicada base de fãs. Os jogos subsequentes tiraram o foco do subtítulo tanto no Japão como no ocidente e passaram a integrar algo novo.

Rune Factory 2 e Rune Factory 3 foram lançados para o DS em 2008 e 2010, respectivamente, trazendo uma variedade cada vez maior de monstros, itens, receitas e personagens. Os jogos se passam em outros continentes, com outras histórias, cada uma baseada em um dragão-guardião diferente.

Alguns personagens retornam, mas de forma geral os jogos são totalmente independentes um do outro, permitindo ao jogador que comece por qualquer um deles. As mecânicas, controles e o sistema de batalha vão sendo melhorados e afiados a cada episódio, mas todos os jogos mantém intacta a importância da fazenda, da relação com os monstros e da relação com os outros personagens para o gameplay e o andamento da história.

Rune Factory 2 / Imagens: RPGFan

Além da série principal, dois outros jogos da série foram lançados, exclusivos para consoles de mesa: Rune Factory – Frontier (2008), uma sequência direta do primeiro Rune Factory, e Rune Factory – Tides of Destiny (2011). Ambos saíram para o Nintendo Wii, com o segundo sendo também lançado para o PS3. Estes jogos experimentam ainda mais com a fórmula da série, trazendo novas formas de exploração e histórias não relacionadas com os quatro dragões elementais.

Rune Factory 4, o pináculo da experiência

Rune Factory 4 chegou ao 3DS em 2013 com uma história dividida em 3 atos, um mundo enorme e a novidade do jogador poder optar por um protagonista menino ou menina, oferecendo facilmente uma das mais completas experiências do console.

O jogador que não tem familiaridade com a franquia se sente em casa, tendo uma jornada tranquila até o final da história principal. Aqueles que já são da casa e ousam se aventurar além do final do jogo são recebidos com uma verdadeira enxurrada de coisas para fazer, este que vos escreve tendo chegado sem dificuldade alguma a 200 horas de jogo.

É notável o carinho colocado no jogo pelos desenvolvedores, o respeito aos jogadores e a resposta real ao feedback fornecido por estes. Por tratar do último que faltava dos dragões elementais, o jogo assume uma aura de festa e despedida em partes iguais.

Mecânicas consideradas favoritas dos jogadores retornaram, o catálogo de itens está maior do que nunca, e há referências a todos os jogos anteriores da franquia. Todos os chefes dos jogos anteriores são, em algum ponto, não apenas batalháveis como também recrutáveis, além da presença de um modo infinito de fato infinito, em que o nível dos inimigos se adapta ao do jogador garantindo que sempre exista um desafio a mais.

Um dos toques mais fofos do jogo é a galeria de fanarts, em que alguns desenhos feitos pelos fãs selecionados pela equipe de produção podem ser acessados em um slideshow, onde diversos personagens da série fazem comentários sobre as artes.

Rune Factory 5?

O futuro de Rune Factory parecia incerto, vez que a Neverland entrou com pedido de falência logo após o lançamento de Rune Factory 4. A companhia se dissolveu e de certa forma compreendemos melhor o motivo pelo qual o jogo possuía um clima diferente: foi efetivamente o último jogo da empresa, no qual trabalharam até o fim mesmo já tendo decidido que fechariam as portas.

Pode-se dizer que a história teve um final feliz, porém, já que Hashimoto anunciou alguns meses depois que a equipe de desenvolvimento de Rune Factory 4 teria sido contratada para integrar o time da Marvelous logo após a falência da empresa, tendo inclusive participado do desenvolvimento de Lord of Magna: Maiden Heaven (3DS, 2014).

Não houveram ainda notícias concretas a respeito de um novo jogo da série, apenas vagas pistas de que o projeto estaria nos planos da empresa. O foco da Marvelous nos últimos anos tem sido, no setor de desenvolvimento, os jogos da série Fate (em colaboração com a TYPE-MOON) e o crescimento da franquia Senran Kagura. No setor de publicação há ainda o novo No More Heroes, previsto ainda para o ano de 2018. Além, é lógico, de Story of Seasons (antigo Harvest Moon), que continua sendo a prata da casa.

Conclusão

É certo que a franquia Rune Factory tem um lugar especial no coração dos jogadores que tiveram a chance de jogá-la, e está sempre pronta para receber aqueles que desejam conhecê-la e se aventurar além da vida no campo. É uma boa pedida para quem joga Harvest Moon e quer se iniciar no mundo dos RPGs, assim como para quem gosta de RPGs de ação e nunca teve paciência para experimentar Harvest Moon devido ao seu ritmo mais lento.

Para quem gosta dos dois, convido-lhes a jogar se tiverem a oportunidade. Todos os jogos estão disponíveis em japonês e inglês, alguns deles até mesmo em espanhol. Recomendaria jogá-los em ordem, pela evolução dos controles conforme a série foi crescendo, mas friso que não fará mal nenhum começar pelo jogo que mais lhe chamar a atenção.

Rune Factory 4 está disponível por 30 dólares na e-shop do 3DS, um preço bem justo comparado ao do lançamento. Os outros podem ser um pouco difíceis de conseguir, mas sempre há alguém querendo vender um usado!

Espero ter conseguido deixá-los curiosos sobre a série, é um universo muito extenso e falar demais sobre a história e os personagens pode estragar um pouco a surpresa. Se você se interessou por Rune Factory, ou já conhecia a série, pode sempre me chamar para falar sobre no Twitter, além de comentar aqui em baixo sobre a sua experiência!

Um forte abraço e até a próxima!


Sobre o autor

 

Lucas é estudante de Direito, tem um gato preto chamado Sissel e sonha em um dia ter seu espaço para falar da história dos jogos que gosta. Começou a escrever com 13 anos, mas nunca investiu demais na ideia. Fã assíduo de Ace Attorney, MOTHER, Pokémon, Metal Gear e Persona, ocasionalmente aparece no Twitter com alguma trivia que achou interessante.

Twitter: @terralimite


E você, já conhecia a série Rune Factory? Qual o seu título favorito da franquia? Conta pra gente aqui nos comentários, no Twitter ou no Facebook! 😉

 

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Densetsu

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