Embora sejam populares no Japão, os jogos Tales sempre tiveram problemas para conquistar o público ocidental. Com isso em mente, Tales of Arise, o mais recente título principal da série, entrou em produção com o objetivo de não apenas contornar esse problema, mas simultaneamente trazer uma espécie de reinício a toda a franquia.
Após um longo tempo sem um novo lançamento na série principal, e cinco anos após a chegada de Tales of Berseria, será que o novo jogo conseguiu cumprir seus objetivos? Vamos descobrir juntos nesta análise!
Dois mundos, uma história
A história de Tales of Arise — completamente legendada em português, por sinal — tem como foco principal dois mundos interligados. Há séculos, Dahna vive sobre domínio de Rena, um “planeta celestial” tecnologicamente avançado que escraviza a população abaixo para seus próprios fins. O trabalho escravo inclui a coleta de um tipo de energia sobrenatural que serve como combustível para habilidades mágicas chamadas de “astral artes”.
Após 300 anos de servidão, alguns “Dahnan” começam a se rebelar contra seus invasores soberanos, embora muitos ainda prefiram simplesmente aceitar seu destino. Em meio ao conflito, encontramos um de nossos protagonistas: Alphen, um escravo amnésico com o rosto encoberto por uma máscara de ferro.
Conhecido simplesmente pela alcunha “Máscara de Ferro”, ao menos de início, o herói é peculiar entre seus semelhantes, sendo desprovido da habilidade de sentir dor. Além disso, suas origens são um mistério, o que contribui para o seu status como uma figura única no reino de Calaglia, onde a aventura começa.
Não demora muito para que Alphen, até então simplesmente cumprindo com suas tarefas escravas, cruze caminho com o grupo rebelde dos “Corvos Carmesim” em uma missão importante. Com esse encontro, logo conhecemos nossa segunda protagonista: Shionne, uma jovem e misteriosa “Renan” amaldiçoada com a habilidade de causar ferimentos a todos que a tocam.
Perseguida por seu próprio povo, o objetivo da heroína de eliminar a soberania de Rena se alinha aos da resistência Dahnan, reservando seu lugar ao lado dos rebeldes. Em Alphen, Shionne também encontra um companheiro de batalha ideal, já que o herói mascarado não é afetado por sua maldição e, logo, uma dupla é formada e a jornada pelos cinco reinos de Dahna começa.
Ao decorrer de uma longa aventura, várias figuras carismáticas são encontradas, com algumas até se aliando ao grupo. Com o tempo, compõem a party a maga Rinwell, o rebelde Law, a capitã Kisara e o lorde Dohalim. Embora nem todos esses personagens tenham uma caracterização complexa, cada um é essencial para a narrativa e ostenta uma personalidade singular e conflitos internos interessantes.
Adicionalmente, o desenvolvimento de personagem dos heróis é tangível, sendo esse um dos pontos mais altos da história. Embora os holofotes tenham o costume de ficar sobre Alphen e Shionne, a evolução de seus amigos é certamente notável e algo que contrasta com títulos anteriores da franquia.
Temáticas de escravidão, racismo, vingança e tons cinzentos na moral dos dois mundos contribuem não apenas para a profundidade dos personagens, mas também da trama em geral. Figuras de ambos os lados em conflito deixam transparecer seus lados sombrios, sendo dominados por alguns desses temas. E no caso dos heróis, apenas as novas amizades serão capazes de acalmar seus corações perturbados.
Os elementos astrosos da história de Tales of Arise são remanescentes de jogos mais antigos da série, como Symphonia e, principalmente, Rebirth. De fato, a trama em alguns pontos apresenta momentos bem chocantes para os padrões de JRPGs. Ainda assim, mesmo com a possível influência de títulos do passado, o novo game faz um bom trabalho na mistura de conceitos antigos e inéditos.
A arte da luta
Utilizando uma nova variação do sistema de batalha tradicional da franquia, Tales of Arise introduz várias novidades que garantem combates muito divertidos. Os controles são simples e permitem que o jogador tenha facilidade para saltar, esquivar (ao invés de defender, como em títulos anteriores) e atacar inimigos com ataques normais, habilidades mágicas que consomem um medidor especial, e até uma variedade de manobras ofensivas aéreas. Essas diferentes opções, é claro, podem ser combinadas para subjugar adversários de formas satisfatórias, seja no chão ou no ar.
O protagonista, Alphen, possui certas características especiais que o diferenciam dos demais heróis. Em adição a certas magias, ele pode utilizar uma poderosa espada flamejante que, ao invés de custar pontos de habilidades mágicas, gasta pontos de vida. Dessa forma, o jogo incentiva o jogador a ficar de olho em seus recursos para decidir se vale a pena utilizar esse e outros ataques.
Outra novidade ao sistema de batalha diz respeito às magias de suporte e cura. Em títulos passados, era mais fácil usar e abusar dessas habilidades, mas Tales of Arise complica um pouco, introduzindo uma barra dedicada especificamente a esse tipo de ação. Diferente do outro medidor especial, este novo não se reabastece com o tempo, somente através de itens ou após jogadores descansarem em lugares específicos.
Apenas esta mudança já torna Arise um jogo mais desafiador, ainda mais considerando o fato de que o jogador começa a aventura com pouquíssimo dessa barra de suporte. Além disso, os itens necessários para abastecê-la são caros, algo que piora ainda mais quando lembramos que batalhas não nos recompensam com dinheiro, apenas a venda de itens e missões paralelas. Por isso, especialmente em combates longos, não é incomum acabar se vendo com recursos limitados.
Finalmente, outras duas novidades notáveis ao sistema de batalha são os “Boost Attacks” e “Boost Strikes”. Os primeiros são ataques especiais que podem atordoar certos inimigos por alguns segundos. Já os segundos se tratam de golpes finalizadores executados em conjunto por dois personagens contra um ou múltiplos oponentes.
Um conto modernizado
Além das várias mudanças e novidades no combate, toda a apresentação do título contribui para passar um ar mais moderno a Tales of Arise. Os gráficos, que são produto do avançado motor Unreal Engine 4, passam a sensação de uma produção de alto nível, em grande contraste ao passado da franquia.
MeMesmo não trazendo tantos inimigos quanto seus antecessores, o jogo parece bem mais com outros JRPGs atuais. Graças ao longo tempo de desenvolvimento, foi possível adicionar novidades à jogabilidade e melhorar vários elementos tradicionais.
Como exemplo de uma caraterística tradicional que regressa de forma diferente, temos as cenas de diálogo entre personagens que foram totalmente reformuladas. Antes, esses momentos eram apresentados de forma semelhante a uma visual novel, mas agora utilizam modelos 3D e se assemelham mais às páginas de uma história em quadrinhos. Por outro lado, enquanto antes eram opcionais e não influenciavam tanto o enredo, desta vez essas conversas são essenciais e servem para desenvolver as relações entre os personagens. Infelizmente, o jogo não faz um trabalho muito bom as distribuindo.
No geral, parece que os desenvolvedores também pensaram bastante em jogadores que gostam de explorar mundos de jogos. Através de uma grande variedade de tarefas, os aventureiros podem conseguir vários materiais para construção de armas e acessórios, além de visuais alternativos. Aliás, o game traz, pela primeira vez na franquia, um minigame de pesca, com missões adicionais destinadas a incentivar o jogador a conseguir certos peixes. O único ponto negativo é que essa mecânica chega um pouco tarde na aventura.
Por fim, a trilha sonora de Tales of Arise continua incrível, graças às composições do músico Motoi Sakuraba. As canções de fundo providenciam uma bela mistura de estilos musicais e instrumentos, incluindo até versões remixadas de temas antigos. Uma menção especial vai para a canção “Hibana”, que aparece na empolgante sequência de abertura do título, animada pelo aclamado estúdio Ufotable.
Ervas daninhas no jardim
Claro, apesar das flores no jardim de Tales of Arise, algumas ervas daninhas aparecem na forma de certas decisões controversas por parte da desenvolvedora e distribuidora. Um desses problemas é o fato do jogo parecer querer forçar o jogador a adquirir certas peças de conteúdo adicional (DLC) pago, mais especificamente o pacote que oferece uma boa quantidade de itens de cura.
Como já dito, os curativos são bem difíceis de conseguir normalmente. Com uma DLC oferecendo fácil acesso a eles, a intenção por trás da decisão de torná-los escassos no jogo se torna, no mínimo, duvidosa.
Ainda nesse tópico, jogadores também podem optar por adquirir conteúdo adicional que os fornece vários pontos de experiência adicionais logo de início e equipamentos úteis. Com isso em mente, você já sabe que a progressão de níveis de personagem se tornou mais lenta, obrigando o jogador a engajar repetidamente em encontros com inimigos para poder adquirir mais XP — o famoso processo de grinding.
Enfim, até as roupas adicionais, que normalmente serviriam apenas como visuais alternativos, oferecem benefícios na forma de títulos e certas habilidades. O jogo, inclusive, faz questão de lembrar dessa opção através de propagandas intrusivas que aparecem sempre que o jogador resolve descansar em uma fogueira.
Em conclusão
Tales of Arise é um JRPG fantástico que certamente agradará fãs do gênero — ambos novatos e veteranos da popular franquia. Além de proporcionar uma experiência semelhante à de outros títulos populares, como os da série Final Fantasy, o novo jogo oferece desafios decentes, mesmo que por vezes de forma um tanto injusta.
Para aqueles que conhecem bem os Tales anteriores, Arise talvez possa representar uma lufada de ar fresco. O título muda completamente a fórmula tradicional da franquia mas, ainda assim, puxa inspiração do passado.
Vale a pena encerrar esta análise notando que este foi, sem dúvidas, um dos melhores jogos que joguei em 2021. Os problemas citados, apesar de serem um pouco frustrantes, não foram o suficiente para tirar o título dessa posição.
Realmente, olhando por fora fica bem óbvio que os desenvolvedores cumpriram com o objetivo de criar algo inovador na série. Tales of Arise é bem diferente de todos os títulos anteriores, trazendo uma nova forma de apresentar sua história, uma jogabilidade reformulada e algumas decisões de design que podem ser vistos como controversos.
Contudo, uma olhada mais a fundo ao jogo mostra que os elementos mais básicos da fórmula da franquia ainda estão presentes aqui, mesmo que escondidos. Apesar de suas grandes mudanças, o charme de Tales, a jogabilidade que busca inovar a cada novo jogo lançado e a utilização de certos clichês de anime, continuam integrados ao design do game.
Tales of Arise encontra-se disponível mundialmente para PlayStation 5, Xbox Series, PlayStation 4, Xbox One e PC.
Esta análise foi feita com base na versão para PS4 cedida pela Bandai Namco.