O RPG é um gênero dos jogos eletrônicos que é baseado em jogos de mesa de mesmo nome, que costumam contar uma aventura ou jornada utilizando descrições detalhadas dos personagens e ambientes, com uma ênfase em narrar uma história envolvente que imerja os jogadores na atmosfera e no mundo do jogo.
Desde os anos 80, graças a jogos como Dragon Quest (ou Dragon Warrior) e Final Fantasy, o gênero se tornou muito popular, espalhando diversos temas, subgêneros e sistemas, e com essa popularização surgiu o RPG Maker, um programa criado para simular um sistema de RPG completamente editável a quem o acessasse, tendo sua popularidade mundial em 2000. Isso permitiu que qualquer pessoa, com tempo e dedicação suficiente, pudesse criar sua própria narrativa — usando as características e mecânicas que quisesse — e compartilhá-la com o mundo, e em 2004 surgiria Yume Nikki, um RPG surreal que logo conseguiria um status cult, derivando um nicho e subgênero próprio altamente amado e discutido por seus fãs.
Desenvolvido por um usuário autointitulado Kikiyama, Yume Nikki (traduzido para algo como “Diário de sonhos”) é um jogo que explora o mundo dos sonhos e do subconsciente humano, tirando a parte de combate e detalhes especificados em texto para focar em sua narrativa surreal e simbólica, fornecendo uma experiência mais contemplativa e focada em exploração.
O jogo começa no quarto da protagonista, uma menina entendida como “hikikomori” (termo japonês usado para caracterizar uma pessoa que se isola a pontos extremos e evita qualquer tipo de contato social) chamada Madotsuki. Trancada em seu apartamento e se recusando a sair, Madotsuki apenas pode caminhar pela varanda do apartamento e por seu quarto, podendo interagir com seu diário na mesa (o jeito de salvar o jogo), um console retrô em sua TV (que permite jogar um minigame) e sua cama. Interagindo com a cama, Madotsuki se prepara para dormir e leva ao principal do jogo: o mundo dos sonhos.
Ao dormir, o jogador se encontra na varanda do apartamento, com um fundo diferente e uma música misteriosa ao fundo. Voltando para o quarto, Madotsuki agora não se recusará a sair pela porta da frente, levando agora ao subconsciente de Madotsuki chamado de Nexus. Este se trata de uma sala com um fundo levemente psicodélico e com 12 portas de características diferentes, cada uma delas levando a mundos diferentes com diversas áreas para explorar e descobrir novos segredos. E a partir daí, você escolhe aonde quer ir e começa sua exploração. A música e o Nexus podem aparentar um tanto estranhos, mas eles são apenas um breve gosto do que vem por aí.
Cada um dos 12 novos mundos que o jogador pode explorar tem suas características, ambiência e música bem distintas, todas com um sentimento de mistério e surrealismo que é bem característico para um mundo dos sonhos. Um deserto completamente branco, uma área composta totalmente por blocos, uma floresta com fantasmas, um labirinto de neon, um mundo coberto por grafite e até um mundo inspirado no jogo Mother, de Shigesato Itoi, são apenas alguns dos possíveis locais para serem explorados.
Além de uma área completamente diferente, os mundos podem apresentar diferentes personagens, caminhos para outras áreas e algum dos 24 “efeitos” do jogo. Os efeitos são pequenas mudanças que podem ser leves mudanças estéticas como ganhar orelhas de gato, vestir um chapéu e lenço ou transformar sua cabeça em uma mão com um olho em sua palma, ou podem apresentar pequenas mudanças como uma bicicleta que lhe dá mais velocidade, uma lanterna que ilumina áreas escuras e uma faca que permite abrir caminhos e até matar alguns personagens.
Os controles do jogo são extremamente simples, consistem apenas de andar, interagir com objetos e personagens, acessar os menus e equipar os efeitos, um botão de ação que faz uma coisa diferente dependendo do efeito equipado e um botão para acordar. Em alguns momentos, Madotsuki pode ficar presa em um lugar sem saída no mundo dos sonhos, o que só pode ser remediado por acordar. Pressionando o número 9 no teclado fará com que Madotsuki belisque sua bochecha, levando-a a acordar em seu quarto.
E isso é basicamente Yume Nikki: dormir, ir para o Nexus, explorar uma área diferente, encontrar novas coisas, acordar. Repita o processo. E aí é onde está o charme e o problema do jogo: Yume Nikki não muda muito depois disso. Não existe um enredo, grandes viradas na jogabilidade ou chefes, e os finais do jogo só podem ser alcançados de maneiras que não são exatamente claras (a menos que você pesquise na internet), e por isso o jogo pode afastar alguns jogadores, por sua natureza introspectiva e focada em exploração. Por outro lado, esse é o exato charme do jogo: ele não tem um objetivo específico e explora áreas surreais, intrigantes e sombrias, mantendo características marcantes e diversos detalhes que aqueles que se sentirem compelidos a investirem no jogo vão com certeza apreciar.
Enquanto o enredo de Yume Nikki não é uma coisa realmente narrada de modo tradicional no jogo, isso não significa que não exista nenhum significado para o que está acontecendo. Em alguns locais, o jogador poderá ver pequenos pedaços de um grande quebra-cabeça que diz sobre a vida de Madotsuki, todo espalhado em seu subconsciente. Isso é bastante condizente com o tema central, já que o jogo explora o subconsciente da protagonista.
Nada é óbvio ou 100% conclusivo, o jogo apenas dá leves alusões às coisas que aconteceram através de cenários, dos personagens encontrados (que incluem personagens que perseguem a protagonista e a prendem em locais sem saída), de como você interage com os personagens e de quais efeitos são obtidos.
Yume Nikki é, sem sombra de dúvidas, um jogo cult clássico que teve bastante influência e popularizou a ideia do RPG Maker, influenciando jogos por fãs como .flow, Lisa the First, e até o projeto lançado comercialmente Dreaming Sarah. É um jogo quieto, introspectivo e que vale o tanto que o jogador está disposto a investir nele.
Em janeiro de 2018, Yume Nikki foi publicado pela empresa Playism na Steam, sendo distribuído de graça, e levando a um “remake” intitulado Yume Nikki: Dream Diary (mas esse jogo merece uma resenha própria… Foreshadowing?).
No fim das contas, é uma experiência que qualquer um pode pegar e instalar em seu pc se quiser um jogo diferente com um visual retrô e surreal.
Confira o trailer de lançamento na Steam:
Artigo escrito por: Ítalo Magno